Hermenêutica onírica
Eu sabia que era errado e que não devia estar ali. Lembranças de uma
outra vida ardiam nas minhas saudades, atesouradas naquele instrumento atropelado
pelo correr das máquinas... Eu sabia que era errado, mas tudo fez sentido
quando ela abriu a porta do quarto e fechou-a atrás de si, atravessando com
mais ânsia que cuidado uma passagem ao proibido. Se eu fazia parte de um seleto
grupo sobre o qual não sabia nada, era por ela. E sequer a conhecia.
Não hesitei, todavia, em me lançar a seus braços. Tanto tempo havia se
perdido... Eu continuava a mesma menina, atordoada com as inconsistências, com as
inconsciências dos sentidos... e nela algumas rugas sobressaltavam aos óculos de
leitura, rios entrecortados de águas escuras.
Nesse primeiro contato talvez ela fosse mãe, talvez o afago protetor me
dissesse que tudo ia se acertar. Mas outro algo me refletia seus lábios
molhados de vida que me convidavam a ir mais além das minhas dúvidas; lábios
aos quais colei os meus com mais respeito do que ânsia, porque aquele encontro era muito mais do que o que era.
E quando ela teve de ir-se, eu só podia implorar que retornasse. Logo...
(No início me parecia instinto de sobrevivência, mas ainda lutaria por
ela acima de mim mesma.)
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